Historia da vida na terra
Blog da semana de ciencias 2012
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Pedras no meio da evolução
A reconstituição do caminho de como se deu a emergência do uso e confecção de ferramentas na evolução humana ganhou um obstáculo inesperado. Ao observar o comportamento do macaco-prego (Cebus apella), pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) desmontaram um modelo construído há alguns anos, segundo o qual os símios mostrariam o caminho que seria seguido mais tarde pelos hominídeos.
Além do homem, apenas o macaco-prego, o chimpanzé (Pan troglodytes), o orangotango(Pongo pygmaeus) e o gorila (Gorilla gorilla) são capazes de usar pedras e paus como ferramentas - para quebrar cocos e castanhas, por exemplo. Se treinados, os quatro fazem isso em cativeiro, mas apenas os dois primeiros são naturalmente capazes de repetir o feito no próprio hábitat, segundo relatos de alguns pesquisadores. Foi tal fato que transformou o macaco-prego em possível modelo para entender como o homem começou a usar machadinhas, martelos, arpões e outros instrumentos.
O trabalho dos pesquisadores Euphly Jalles-Filho, Rogério Grassetto Teixeira da Cunha e Rodolfo Aureliano Salm, publicado no Journal of Human Evolution (maio), mostrou que tal modelo, até então amplamente aceito, não é verdadeiro. Eles mostraram que os macacos-prego não têm a habilidade de transportar as ferramentas em seus deslocamentos pelo ambiente como fazia o Homo abilis, 2,6 milhões de anos atrás, a primeira espécie de hominídeo a ser associada às lascas de pedras usadas como instrumentos.
"Pesquisas na Etiópia, Tanzânia e no Quênia indicam que o Homo abilis andava por amplas áreas carregando seu próprio material e essa característica o macaco-prego não tem", explica Jalles. Foram achadas nessas regiões lascas de pedra usadas como ferramentas que eram originárias de outros lugares. A remontagem feita pelos pesquisadores deixou claro que elas eram de áreas diferentes, isto é, foram transportadas pelo Homo abilis. "A evidência concreta do uso e confecção de instrumentos era o fato de serem levadas pelos hominídeos e foi isso que, provavelmente, teve influência na evolução desse uso." Logo, o modelo imaginado até agora falha em capturar o aspecto crucial da questão: o estabelecimento de amplas redes de transporte de ferramentas e os materiais para sua produção. Assim, o comportamento entre os macacos-prego não apresenta analogia funcional e formal com o comportamento tecnológico dos primeiros hominídeos.
O objeto de estudo para ajudar a entender a evolução, o macaco-prego, foi escolhido por ser considerado como uma das espécies mais inteligentes das Américas, além de sua reconhecida habilidade. Curiosos, inquietos e com no máximo meio metro de altura, eles são cada vez mais estudados por pesquisadores brasileiros, norte-americanos e europeus - até como uma opção para trabalhos comparativos ao chimpanzé, natural da África. Na América do Sul, encontram-se macacos-prego da Colômbia à Argentina; no Brasil ocupam ambientes tão variados quanto a Amazônia, o Cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica.
Além do homem, apenas o macaco-prego, o chimpanzé (Pan troglodytes), o orangotango(Pongo pygmaeus) e o gorila (Gorilla gorilla) são capazes de usar pedras e paus como ferramentas - para quebrar cocos e castanhas, por exemplo. Se treinados, os quatro fazem isso em cativeiro, mas apenas os dois primeiros são naturalmente capazes de repetir o feito no próprio hábitat, segundo relatos de alguns pesquisadores. Foi tal fato que transformou o macaco-prego em possível modelo para entender como o homem começou a usar machadinhas, martelos, arpões e outros instrumentos.
O trabalho dos pesquisadores Euphly Jalles-Filho, Rogério Grassetto Teixeira da Cunha e Rodolfo Aureliano Salm, publicado no Journal of Human Evolution (maio), mostrou que tal modelo, até então amplamente aceito, não é verdadeiro. Eles mostraram que os macacos-prego não têm a habilidade de transportar as ferramentas em seus deslocamentos pelo ambiente como fazia o Homo abilis, 2,6 milhões de anos atrás, a primeira espécie de hominídeo a ser associada às lascas de pedras usadas como instrumentos.
"Pesquisas na Etiópia, Tanzânia e no Quênia indicam que o Homo abilis andava por amplas áreas carregando seu próprio material e essa característica o macaco-prego não tem", explica Jalles. Foram achadas nessas regiões lascas de pedra usadas como ferramentas que eram originárias de outros lugares. A remontagem feita pelos pesquisadores deixou claro que elas eram de áreas diferentes, isto é, foram transportadas pelo Homo abilis. "A evidência concreta do uso e confecção de instrumentos era o fato de serem levadas pelos hominídeos e foi isso que, provavelmente, teve influência na evolução desse uso." Logo, o modelo imaginado até agora falha em capturar o aspecto crucial da questão: o estabelecimento de amplas redes de transporte de ferramentas e os materiais para sua produção. Assim, o comportamento entre os macacos-prego não apresenta analogia funcional e formal com o comportamento tecnológico dos primeiros hominídeos.
O objeto de estudo para ajudar a entender a evolução, o macaco-prego, foi escolhido por ser considerado como uma das espécies mais inteligentes das Américas, além de sua reconhecida habilidade. Curiosos, inquietos e com no máximo meio metro de altura, eles são cada vez mais estudados por pesquisadores brasileiros, norte-americanos e europeus - até como uma opção para trabalhos comparativos ao chimpanzé, natural da África. Na América do Sul, encontram-se macacos-prego da Colômbia à Argentina; no Brasil ocupam ambientes tão variados quanto a Amazônia, o Cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica.
Quando os híbridos são férteis pt. 1
Darwin, além de talento, teve sorte. Ao chegar ao arquipélago de Galápagos, no Pacífico, encontrou uma rica variedade de tartarugas e aves vivendo sob condições ambientais peculiares, como o isolamento geográfico e a dieta, que devem ter influenciado fortemente sua evolução ao longo de milhões de anos. As prováveis causas do fato de haver tantos animais tão semelhantes entre si ? as aves, por exemplo, com o bico mais curto ou mais longo, dependendo do que comiam ? pareciam claras. Mas o mundo não é só como Galápagos. Os biólogos de hoje, mesmo estudando espaços ricos em biodiversidade como a mata atlântica, nem sempre encontram histórias evolutivas e espécies próximas com diferenças tão claras entre si. Em compensação, ao trabalhar com trechos de DNA conhecidos como marcadores moleculares, agora eles podem encontrar as bases genéticas da diversificação das espécies. Um mecanismo de formação de novas espécies que vem ganhando reconhecimento entre os pesquisadores é a possibilidade de espécies de plantas e animais geneticamente próximos entre si cruzarem naturalmente e gerarem híbridos férteis.
Antes essa ideia era pouco aceitável porque, em geral, espécies diferentes apresentam número distinto de cromossomos, estruturas no interior das células que contêm os genes. Essa diferença poderia inviabilizar o desenvolvimento do embrião, já que cada cromossomo que veio do macho precisa estar alinhado com um equivalente que veio da fêmea na hora de a célula fertilizada se dividir. Sem esse alinhamento, na maior parte das vezes a célula não se reproduz e morre. Mas há exceções, que parecem ser menos raras do que se imaginava. O cruzamento entre plantas ? ou animais ? de espécies próximas pode gerar seres que, apesar de híbridos, são férteis, ainda que na fase inicial de multiplicação celular alguns cromossomos não encontrem o respectivo par. Se tiverem tempo e condições ambientais favoráveis, esses híbridos podem gerar espécies diferentes das que lhes deram origem.
Hoje a palavra ?híbrido? não define só seres estéreis como a mula, resultado do cruzamento de jumento com égua, mas também seres férteis como as orquídeas da mata atlântica mantidas em um dos viveiros do Instituto de Botânica de São Paulo. O híbrido, com 38 cromossomos, resulta do cruzamento natural entre duas espécies selvagens, Epidendrum fulgens, com 24 cromossomos, e Epidendrum puniceolutem, com 52. Externamente, as diferenças são sutis. As flores das chamadas plantas parentais são vermelhas ou amarelas. Já as das híbridas podem ser alaranjadas com pontos vermelhos.
Só a genética não basta para reconhecer os híbridos férteis. Eles agora são identificados com relativa facilidade porque, além de comparar o número de cromossomos, os especialistas examinam, inicialmente, os aspectos mais visíveis dos ambientes onde os híbridos e as espécies que lhes deram origem vivem. Depois entram na história da paisagem, estudando os mapas geológicos e de variações climáticas, que indicam se deslocamentos de blocos de rochas, tremores de terra ou variações prolongadas de chuva ou temperatura aproximaram ou afastaram populações de plantas ou animais, beneficiando ou não a formação de novas espécies.
No caso das orquídeas, os híbridos viviam tanto na restinga, ambiente típico da E. puniceolutem, quanto nas dunas, onde E. fulgens é encontrada. ?Essa versatilidade sugere que algumas regiões do genoma podem ser trocadas entre essas espécies, conferindo ao híbrido capacidade maior de aproveitamento do hábitat?, diz o botânico Fábio Pinheiro, pesquisador associado do Instituto de Botânica de São Paulo. ?Provavelmente a hibridação natural é uma das explicações da elevada diversificação do gênero Epidendrum, constituído por cerca de 1.500 espécies.?
Por precaução, em uma apresentação no Kew Botanic Gardens, de Londres, em maio de 2009, Pinheiro não mencionou o número de cromossomos dos híbridos, com medo das reações. ?Mas os especialistas em orquídeas do Kew perguntaram e, quando viram, não acreditaram. Disseram que havia algo errado, mas depois aceitaram?, conta. A visão predominante é que espécies diferentes não cruzam naturalmente e que os híbridos que porventura se formem são estéreis. O argumento usado é que as células germinativas não conseguiriam formar descendentes viáveis.
No entanto, a maioria das plantas resulta de hibridações naturais ou induzidas entre espécies próximas, lembra Fábio de Barros, coordenador do projeto no Instituto de Botânica. A hibridação induzida é o que faz aparecerem espécies únicas de orquídeas e de plantas usadas na alimentação, como o milho e a cana-de-açúcar. Normalmente os híbridos apresentam alguma vantagem ? no caso dos alimentos, são mais resistentes a doenças e mais produtivos do que as espécies puras. ?Darwin já tinha escrito que os híbridos podem ser estéreis ou férteis, mas não tinha como provar, porque não havia marcadores moleculares para identificar as assinaturas genéticas de híbridos férteis?, diz Barros. ?Aparentemente a hibridação é bastante comum e parece ter um papel muito mais importante na evolução do que imaginamos.?
Os botânicos já viram outros casos. As orquídeas do gênero Ophrys, da região do Mediterrâneo, formam híbridos de alta fertilidade. O cruzamento entre duas plantas baixas com flores amarelas da Europa e dos Estados Unidos, Senecio squalidus e S. vulgaris, originou um híbrido que atrai mais polinizadores e poderia gerar mais frutos que as espécies que lhe deram origem.
Antes essa ideia era pouco aceitável porque, em geral, espécies diferentes apresentam número distinto de cromossomos, estruturas no interior das células que contêm os genes. Essa diferença poderia inviabilizar o desenvolvimento do embrião, já que cada cromossomo que veio do macho precisa estar alinhado com um equivalente que veio da fêmea na hora de a célula fertilizada se dividir. Sem esse alinhamento, na maior parte das vezes a célula não se reproduz e morre. Mas há exceções, que parecem ser menos raras do que se imaginava. O cruzamento entre plantas ? ou animais ? de espécies próximas pode gerar seres que, apesar de híbridos, são férteis, ainda que na fase inicial de multiplicação celular alguns cromossomos não encontrem o respectivo par. Se tiverem tempo e condições ambientais favoráveis, esses híbridos podem gerar espécies diferentes das que lhes deram origem.
Hoje a palavra ?híbrido? não define só seres estéreis como a mula, resultado do cruzamento de jumento com égua, mas também seres férteis como as orquídeas da mata atlântica mantidas em um dos viveiros do Instituto de Botânica de São Paulo. O híbrido, com 38 cromossomos, resulta do cruzamento natural entre duas espécies selvagens, Epidendrum fulgens, com 24 cromossomos, e Epidendrum puniceolutem, com 52. Externamente, as diferenças são sutis. As flores das chamadas plantas parentais são vermelhas ou amarelas. Já as das híbridas podem ser alaranjadas com pontos vermelhos.
Só a genética não basta para reconhecer os híbridos férteis. Eles agora são identificados com relativa facilidade porque, além de comparar o número de cromossomos, os especialistas examinam, inicialmente, os aspectos mais visíveis dos ambientes onde os híbridos e as espécies que lhes deram origem vivem. Depois entram na história da paisagem, estudando os mapas geológicos e de variações climáticas, que indicam se deslocamentos de blocos de rochas, tremores de terra ou variações prolongadas de chuva ou temperatura aproximaram ou afastaram populações de plantas ou animais, beneficiando ou não a formação de novas espécies.
No caso das orquídeas, os híbridos viviam tanto na restinga, ambiente típico da E. puniceolutem, quanto nas dunas, onde E. fulgens é encontrada. ?Essa versatilidade sugere que algumas regiões do genoma podem ser trocadas entre essas espécies, conferindo ao híbrido capacidade maior de aproveitamento do hábitat?, diz o botânico Fábio Pinheiro, pesquisador associado do Instituto de Botânica de São Paulo. ?Provavelmente a hibridação natural é uma das explicações da elevada diversificação do gênero Epidendrum, constituído por cerca de 1.500 espécies.?
Por precaução, em uma apresentação no Kew Botanic Gardens, de Londres, em maio de 2009, Pinheiro não mencionou o número de cromossomos dos híbridos, com medo das reações. ?Mas os especialistas em orquídeas do Kew perguntaram e, quando viram, não acreditaram. Disseram que havia algo errado, mas depois aceitaram?, conta. A visão predominante é que espécies diferentes não cruzam naturalmente e que os híbridos que porventura se formem são estéreis. O argumento usado é que as células germinativas não conseguiriam formar descendentes viáveis.
No entanto, a maioria das plantas resulta de hibridações naturais ou induzidas entre espécies próximas, lembra Fábio de Barros, coordenador do projeto no Instituto de Botânica. A hibridação induzida é o que faz aparecerem espécies únicas de orquídeas e de plantas usadas na alimentação, como o milho e a cana-de-açúcar. Normalmente os híbridos apresentam alguma vantagem ? no caso dos alimentos, são mais resistentes a doenças e mais produtivos do que as espécies puras. ?Darwin já tinha escrito que os híbridos podem ser estéreis ou férteis, mas não tinha como provar, porque não havia marcadores moleculares para identificar as assinaturas genéticas de híbridos férteis?, diz Barros. ?Aparentemente a hibridação é bastante comum e parece ter um papel muito mais importante na evolução do que imaginamos.?
Os botânicos já viram outros casos. As orquídeas do gênero Ophrys, da região do Mediterrâneo, formam híbridos de alta fertilidade. O cruzamento entre duas plantas baixas com flores amarelas da Europa e dos Estados Unidos, Senecio squalidus e S. vulgaris, originou um híbrido que atrai mais polinizadores e poderia gerar mais frutos que as espécies que lhe deram origem.
Orquídea híbrida da mata atlântica
Quando os híbridos são férteis pt. 2
Espaços misturados - Animais também formam híbridos férteis. O geneticista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Thales Freitas observou que duas espécies de roedores subterrâneos conhecidos como tuco-tucos ? a Ctenomys minutus, com 42 a 50 cromossomos, e a C. lami, com 54 a 58 cromossomos ? são capazes de cruzar e às vezes gerar filhotes férteis. O resultado depende da origem do macho e da fêmea. Se a fêmea é da espécieCtenomys minutus e o macho um Ctenomys lami, a prole pode ser fértil. A combinação inversa, machos da Ctenomys minutus cruzando com fêmeas da Ctenomys lami, leva a híbridos estéreis. Pererecas da mata atlântica do gênero Phyllomedusa passam por situações semelhantes. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Universidade do Porto, em Portugal, Tuliana Brunes estuda a formação de espécies de Phyllomedusa, a identificação genética dos híbridos e as origens históricas das zonas híbridas.
Os lugares mais prováveis em que os híbridos podem surgir são os espaços que reúnem populações de espécies próximas de plantas ou animais que antes viviam separadas. ?Temos encontrado híbridos com mais frequência nas zonas de transição ecológica, os chamados ecótonos, que combinam dois tipos de vegetação e favorecem o encontro de populações de plantas e animais antes geograficamente distantes?, diz João Alexandrino, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Anos atrás, quando estava na Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, Alexandrino verificou esse fenômeno estudando híbridos férteis resultantes do cruzamento de espécies aparentadas de salamandras das matas próximas aos rios da Califórnia. Agora ele, Tuliana e Célio Haddad, da Unesp, verificaram que as pererecas formam híbridos onde dois tipos de mata atlântica, uma mais úmida e outra mais seca, se combinam no interior paulista. Os híbridos de orquídeas e de tuco-tucos também estavam em espaços ocupados por grupos de espécies que passaram a conviver provavelmente por causa de variações climáticas, que uniram áreas antes isoladas ou forçaram a migração de plantas e animais ao longo de milhares de anos.
A consequência dos processos que levaram à separação das espécies, favorecendo o cruzamento ou hibridação entre espécies próximas, é que florestas de biodiversidade elevada como a mata atlântica tornam-se ?um caldeirão de novas espécies em contínua transformação?, na definição de Nuno Ferrand, da Universidade do Porto. ?A riqueza em diversidade biológica não é só o número de espécies, mas também o de processos que podem dar origem a novas espécies?, diz Clarisse Palma da Silva, do Instituto de Botânica.
O mecanismo mais conhecido de formação de novas espécies de animais ou plantas consiste no acúmulo de mutações genéticas nos descendentes de uma mesma espécie. Agora se vê que novas espécies podem resultar também do agrupamento de populações de espécies diferentes que antes viviam separadas. Tudo resolvido? Longe disso. ?As regras de surgimento e diferenciação das espécies não estão todas claras, porque a evolução é um processo contínuo, que segue por caminhos diferentes, por longos períodos de tempo?, disse Craig Moritz, biólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Anos atrás, quando estava na Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, Alexandrino verificou esse fenômeno estudando híbridos férteis resultantes do cruzamento de espécies aparentadas de salamandras das matas próximas aos rios da Califórnia. Agora ele, Tuliana e Célio Haddad, da Unesp, verificaram que as pererecas formam híbridos onde dois tipos de mata atlântica, uma mais úmida e outra mais seca, se combinam no interior paulista. Os híbridos de orquídeas e de tuco-tucos também estavam em espaços ocupados por grupos de espécies que passaram a conviver provavelmente por causa de variações climáticas, que uniram áreas antes isoladas ou forçaram a migração de plantas e animais ao longo de milhares de anos.
A consequência dos processos que levaram à separação das espécies, favorecendo o cruzamento ou hibridação entre espécies próximas, é que florestas de biodiversidade elevada como a mata atlântica tornam-se ?um caldeirão de novas espécies em contínua transformação?, na definição de Nuno Ferrand, da Universidade do Porto. ?A riqueza em diversidade biológica não é só o número de espécies, mas também o de processos que podem dar origem a novas espécies?, diz Clarisse Palma da Silva, do Instituto de Botânica.
O mecanismo mais conhecido de formação de novas espécies de animais ou plantas consiste no acúmulo de mutações genéticas nos descendentes de uma mesma espécie. Agora se vê que novas espécies podem resultar também do agrupamento de populações de espécies diferentes que antes viviam separadas. Tudo resolvido? Longe disso. ?As regras de surgimento e diferenciação das espécies não estão todas claras, porque a evolução é um processo contínuo, que segue por caminhos diferentes, por longos períodos de tempo?, disse Craig Moritz, biólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Efeitos do isolamento - Um dos princípios que sobrevivem desde Dar-win é que o isolamento favorece a diversidade genética e a diferenciação de espécies, ao longo de milhares ou milhões de anos. Um dos exemplos mais conhecidos são as duas espécies de jararacas exclusivas de ilhas ? a Bothrops insularis, que só vive na ilha de Queimada Grande, e a Bothrops alcatraz, da ilha de Alcatrazes, a menos de 50 quilômetros de distância, no litoral sul paulista ? que começaram a se diferenciar ao se isolar, cada uma em sua ilha, há cerca de 18 mil anos (ver Pesquisa FAPESP nº 132).
Pode haver muito mais escondido por aí. Os trabalhos de Ana Carolina Carnaval, bióloga brasileira atualmente na Universidade da Cidade de Nova York, indicam que, na mata atlântica, as variações de clima (do seco ao úmido) e de altitudes (de zero a 1.600 metros) ao longo de uma faixa litorânea de 5 mil quilômetros favoreceram o isolamento, o surgimento e o desenvolvimento de novas espécies, em uma intensidade maior que na Amazônia, cujas variações de clima e relevo não são tão intensas. Essas áreas isoladas que separam e protegem plantas e animais formam os chamados refúgios, trechos de mata que sobreviveram a intensas variações climáticas nos últimos milhares de anos e levaram à redução das matas próximas, com a consequente eliminação das populações de animais que ali viviam.
Luciano Beheregaray, biólogo brasileiro que leciona nas universidades Flinders e Macquarie, na Austrália, verificou que os Estados Unidos, o Reino Unido e a França lideram a crescente produção científica mundial sobre essa área, chamada filogeografia, que concilia análises genéticas, geográficas, geológicas e históricas. Em seu levantamento, o Brasil, mesmo sendo o país mais rico em biodiversidade, ocupou o 15º lugar entre os 100 países examinados.
?Podemos ir muito além, fazendo análises mais completas de nossos dados, em vez de morrer na praia?, alertou Célio Haddad. ?Coletamos os dados, mas são os especialistas de outros países que os analisam. Deveríamos ser líderes nessa área, não estar a reboque?
Pode haver muito mais escondido por aí. Os trabalhos de Ana Carolina Carnaval, bióloga brasileira atualmente na Universidade da Cidade de Nova York, indicam que, na mata atlântica, as variações de clima (do seco ao úmido) e de altitudes (de zero a 1.600 metros) ao longo de uma faixa litorânea de 5 mil quilômetros favoreceram o isolamento, o surgimento e o desenvolvimento de novas espécies, em uma intensidade maior que na Amazônia, cujas variações de clima e relevo não são tão intensas. Essas áreas isoladas que separam e protegem plantas e animais formam os chamados refúgios, trechos de mata que sobreviveram a intensas variações climáticas nos últimos milhares de anos e levaram à redução das matas próximas, com a consequente eliminação das populações de animais que ali viviam.
Luciano Beheregaray, biólogo brasileiro que leciona nas universidades Flinders e Macquarie, na Austrália, verificou que os Estados Unidos, o Reino Unido e a França lideram a crescente produção científica mundial sobre essa área, chamada filogeografia, que concilia análises genéticas, geográficas, geológicas e históricas. Em seu levantamento, o Brasil, mesmo sendo o país mais rico em biodiversidade, ocupou o 15º lugar entre os 100 países examinados.
?Podemos ir muito além, fazendo análises mais completas de nossos dados, em vez de morrer na praia?, alertou Célio Haddad. ?Coletamos os dados, mas são os especialistas de outros países que os analisam. Deveríamos ser líderes nessa área, não estar a reboque?
Tuco-tuco: híbrido nos areias do sul
Pelo mundo afora pt. 1
Não faz tanto tempo assim o mundo era um verdadeiro deserto humano. Cerca de 200 mil anos atrás, quase nada ante os 4,5 bilhões de anos da Terra, os continentes já ocupavam a posição em que se encontram atualmente e a maior parte das espécies de plantas e animais existentes hoje vivia em florestas e savanas praticamente intocadas. Os primeiros seres humanos a apresentar traços semelhantes aos nossos ? pernas mais longas que o tronco, face achatada e crânio maior e mais arredondado ? habitavam uma pequena área do noroeste da África, formando grupos que não deveriam somar mais do que algumas dezenas ou centenas de indivíduos. A esse cenário, delineado no último século por arqueólogos e paleoantropólogos, somam-se as tentativas recentes de geneticistas e biólogos evolutivos de reconstruir o passado da humanidade e, assim, tentar esclarecer como um pequeno grupo de macacos quase sem pêlos conseguiu se multiplicar e se espalhar pelo mundo com tamanho sucesso a ponto de hoje ser capaz de influenciar o destino do próprio planeta.
Esse esforço para explicar algumas das dúvidas mais primitivas do ser humano ? de onde veio nossa espécie e como se tornou o que é? ? sempre gera um debate fervoroso como o que ocorreu no início de novembro no Primeiro Simpósio de Evolução Biológica, realizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Nesse encontro, que reuniu alguns dos mais destacados especialistas em genética e biologia evolutiva do mundo, ficou evidente que ainda está longe o dia em que se ouvirá uma resposta única e conclusiva para perguntas aparentemente simples como essas. E não faltam argumentos para justificar os resultados, muitas vezes distintos e quase opostos, a que têm chegado os pesquisadores que optam por diferentes estratégias para escarafunchar o passado da humanidade que permanece registrado nos genes das populações atuais.
Um rápido resumo do que paleontólogos e antropólogos descobriram no último século ajuda a compreender a polêmica atual. As evidências mais contundentes de que o Homo sapiens surgiu na África são fragmentos de ossos encontrados em Herto e em Omo Kibish, na Etiópia. O primeiro é um crânio com idade estimada em 160 mil anos e o segundo, um crânio de 195 mil anos. Também são os fósseis encontrados em outras partes do mundo que indicam que os seres humanos modernos permaneceram por ali por quase 100 mil anos, antes de arriscar os primeiros passos fora da África. E numa primeira tentativa não foram muito longe. Chegaram apenas ao atual Oriente Médio, como sugerem restos de esqueletos com idade entre 120 mil e 90 mil anos encontrados em Israel. Mais tarde, entre 70 mil e 50 mil anos atrás, outra leva originária de africanos teria se espalhado por todo o sul do continente asiático, alcançando a Austrália. Somente o terceiro grupo a deixar o continente africano teria alcançado também o centro e o norte da Ásia e finalmente chegado à Europa, onde viviam os atarracados Homo neandertalensis, espécie de hominídeo adaptada ao clima frio e considerada a mais próxima do Homo sapiens. Por alguma razão ainda não compreendida, os neandertais desapareceram gradualmente pouco depois da chegada do Homo sapiens à Europa, que coincide com o seu domínio de técnicas mais refinadas de produzir roupas, utensílios e ferramentas.
Pelo mundo afora pt. 2
O que acontece daí em diante todos sabem: o homem moderno ocupou os demais continentes e povoou até mesmo as mais inóspitas regiões do planeta, deixando marcas por onde passou. O mais complicado é resgatar a história do que ocorreu antes, em um período sobre o qual os registros fósseis e arqueológicos são insuficientes para explicar em detalhes como a espécie humana emergiu e sobreviveu à extinção dos hominídeos. Nas duas últimas décadas, a análise de características genéticas compartilhadas ou não por populações de diferentes regiões do planeta vem oferecendo pistas que podem ajudar a desfazer essas dúvidas sobre o homem moderno ? teria surgido entre 200 mil e 150 mil anos atrás só na África ou existiria também na Ásia? Teria eliminado outras espécies de hominídeos, como os neandertais, ou convivido e procriado com elas?
A visão mais polêmica sobre como a espécie humana evoluiu até adquirir as características atuais e colonizar o planeta foi apresentada em Porto Alegre pelo biólogo e estatístico norte-americano Alan Templeton, da Universidade de Washington em Saint Louis, Missouri. Inicialmente especialista em genética de doenças coronarianas, Templeton passou a estudar evolução humana cerca de 20 anos atrás, quando foi convidado por um amigo, Robert Sussman, editor da revista American Anthropologist, a escrever um artigo de revisão sobre o assunto. Analisando tudo o que havia sido publicado sobre o tema, Templeton encontrou graves falhas metodológicas nos artigos que ajudam a fundamentar o que hoje é a mais aceita teoria de como a espécie humana se tornou o que é ? a chamada hipótese da substituição ou teoria de saída da África.
De acordo com essa teoria, os seres humanos teriam deixado o continente africano entre 60 mil e 50 mil anos atrás e se espalhado pela Ásia e pela Europa, eliminando as outras espécies de hominídeos que encontrava pelo caminho como o Homo neandertalensis, seu contemporâneo. Também conhecida como out-of-Africa, essa teoria ganhou força com a publicação na Nature em 1987 de um artigo escrito pelos biólogos Rebecca Cann, Mark Stoneking e Allan Wilson. Usando ferramentas da genética molecular, eles analisaram um tipo específico de material genético ? o DNA mitocondrial, transmitido aos descendentes apenas pela mãe ? de 147 pessoas de diferentes regiões geográficas do mundo. Concluíram que a mulher que teria dado origem à parte dos seres humanos atuais seria uma africana que teria vivido 150 mil anos atrás, que se tornou conhecida no mundo todo como a Eva mitocondrial.
Pelo mundo afora pt. 3
A principal crítica de Templeton a esse trabalho é que, ao identificar a origem do homem moderno na África, os autores assumiram que esse resultado justificava a hipótese de substituição. Assim, excluíram outras possibilidades ? como a do surgimento simultâneo doHomo sapiens também na Ásia, conhecido como modelo multirregional ? sem seguir os preceitos mais básicos do método científico e realizar testes estatísticos que permitissem eliminar as hipóteses alternativas. Segundo Templeton, agindo desse modo Rebecca, Stoneking e Wilson apenas demonstraram que a teoria out-of-Africa era compatível com os dados, mas não comprovaram que os outros modelos não eram.
Incomodado com essa escolha arbitrária, Templeton, que havia desenvolvido uma forma de análise genética que reúne grupos por proximidade genética e geográfica, imaginou uma forma de tentar eliminar os modelos que não fossem compatíveis com os dados genéticos. O raciocínio é simples: se após deixar a África entre 100 mil e 50 mil anos atrás o Homo sapiens tivesse eliminado as outras espécies sem deixar descendentes com elas, o material genético dos seres humanos atuais teria origem exclusivamente africana. ?Se isso fosse verdade, a contribuição genética de populações humanas de outros continentes teria sido eliminada?, explica o biólogo Reinado Alves de Brito, da Universidade Federal de São Carlos, ex-aluno de doutorado de Templeton.
Não foi o que se encontrou. Analisando 25 trechos do material genético de populações atuais de diferentes partes do mundo, Templeton constatou que alguns desses trechos apresentavam contribuição de ancestrais que viveram na Ásia em um período anterior a 130 mil anos atrás, antes de o Homo sapiens deixar a África pela primeira vez, como descreve em uma série de artigos publicados nos últimos anos na Evolution. O que teria então se passado?
Para Templeton, os dados mostram que a colonização dos outros continentes começou muito antes, cerca de 1,9 milhão de anos atrás com um ancestral da nossa espécie ? oHomo erectus, que o biólogo norte-americano Jared Diamond classificou como sendo mais que um macaco, mas menos que um humano ? deixando a África rumo à Ásia. A essa primeira saída teriam se seguido duas outras: uma há 650 mil anos e a mais recente há 130 mil anos. Cada vez que esses ancestrais humanos com características um pouco menos arcaicas deixavam a África e topavam com um grupo que havia saído antes, eles cruzavam e deixavam descentes. ?Quando se encontravam, eles faziam amor e não guerra?, diz Templeton, para quem o gênero Homo é uma linhagem contínua que se diferenciou aos poucos.
Muitos não concordam. ?Do ponto de vista teórico, é possível que esse cruzamento tenha de fato ocorrido. Mas, avaliando a distribuição dos fósseis e dos registros arqueológicos, não parece tão verossímil?, comenta o paleoantropólogo Danilo Bernardo, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP).
Um dos pesquisadores que discordam frontalmente de Templeton é o biólogo suíço Laurent Excoffier, da Universidade de Berna, autor de um programa de computador de análise de genética de populações usado no mundo todo. Em Porto Alegre, Excoffier apresentou os resultados de seu trabalho mais recente, feito em parceria com Nelson Fagundes e Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e publicado em outubro nos Proceedings of the National Academy of Sciences. Nesse estudo, feito em colaboração com o geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, eles seqüenciaram 50 trechos do material genético extraído de 30 indivíduos da África, da Ásia e da América do Sul.
Usando um método que eles próprios desenvolveram, calcularam como cada um desses trechos se modificou ao longo de milhares de anos e tentaram ver qual entre oito modelos de evolução humana explicaria melhor as diferenças genéticas entre as populações atuais. Concluíram que o mais provável era justamente o modelo out-of-Africa, rejeitado por Templeton. De acordo com os cálculos do grupo, o Homo sapiens teria surgido há 140 mil anos e um grupo de 600 indivíduos teria deixado a África há 50 mil anos. ?Esses resultados estão de acordo com o que a maior parte dos pesquisadores acredita ter ocorrido?, diz Bonatto.
Como explicar resultados tão discrepantes? Na opinião do pesquisador gaúcho, Templeton teria partido de um pressuposto errado. Mesmo que o Homo sapiens tenha eliminado completamente as outras espécies de hominídeos que encontrou sem deixar descendentes em comum, uma parte do seu material genético deve ser muito antiga, herdada da espécie ancestral africana. Já Templeton critica a amostra de apenas 25 pessoas analisada por Excoffier e o grupo gaúcho. Ao menos em um ponto Templeton e Excoffier concordam. Com mais informação genética de mais pessoas ao redor do globo, como a que vem sendo coletada no projeto Genográfico humano, seus resultados devem se tornar mais precisos e, talvez, revelar quem está certo.
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