quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pedras no meio da evolução

A reconstituição do caminho de como se deu a emergência do uso e confecção de ferramentas na evolução humana ganhou um obstáculo inesperado. Ao observar o comportamento do macaco-prego (Cebus apella), pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) desmontaram um modelo construído há alguns anos, segundo o qual os símios mostrariam o caminho que seria seguido mais tarde pelos hominídeos.

Além do homem, apenas o macaco-prego, o chimpanzé (Pan troglodytes), o orangotango(Pongo pygmaeus) e o gorila (Gorilla gorilla) são capazes de usar pedras e paus como ferramentas - para quebrar cocos e castanhas, por exemplo. Se treinados, os quatro fazem isso em cativeiro, mas apenas os dois primeiros são naturalmente capazes de repetir o feito no próprio hábitat, segundo relatos de alguns pesquisadores. Foi tal fato que transformou o macaco-prego em possível modelo para entender como o homem começou a usar machadinhas, martelos, arpões e outros instrumentos.

O trabalho dos pesquisadores Euphly Jalles-Filho, Rogério Grassetto Teixeira da Cunha e Rodolfo Aureliano Salm, publicado no Journal of Human Evolution (maio), mostrou que tal modelo, até então amplamente aceito, não é verdadeiro. Eles mostraram que os macacos-prego não têm a habilidade de transportar as ferramentas em seus deslocamentos pelo ambiente como fazia o Homo abilis, 2,6 milhões de anos atrás, a primeira espécie de hominídeo a ser associada às lascas de pedras usadas como instrumentos.

"Pesquisas na Etiópia, Tanzânia e no Quênia indicam que o Homo abilis andava por amplas áreas carregando seu próprio material e essa característica o macaco-prego não tem", explica Jalles. Foram achadas nessas regiões lascas de pedra usadas como ferramentas que eram originárias de outros lugares. A remontagem feita pelos pesquisadores deixou claro que elas eram de áreas diferentes, isto é, foram transportadas pelo Homo abilis. "A evidência concreta do uso e confecção de instrumentos era o fato de serem levadas pelos hominídeos e foi isso que, provavelmente, teve influência na evolução desse uso." Logo, o modelo imaginado até agora falha em capturar o aspecto crucial da questão: o estabelecimento de amplas redes de transporte de ferramentas e os materiais para sua produção. Assim, o comportamento entre os macacos-prego não apresenta analogia funcional e formal com o comportamento tecnológico dos primeiros hominídeos.

O objeto de estudo para ajudar a entender a evolução, o macaco-prego, foi escolhido por ser considerado como uma das espécies mais inteligentes das Américas, além de sua reconhecida habilidade. Curiosos, inquietos e com no máximo meio metro de altura, eles são cada vez mais estudados por pesquisadores brasileiros, norte-americanos e europeus - até como uma opção para trabalhos comparativos ao chimpanzé, natural da África. Na América do Sul, encontram-se macacos-prego da Colômbia à Argentina; no Brasil ocupam ambientes tão variados quanto a Amazônia, o Cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica.

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