quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pelo mundo afora pt. 3

A principal crítica de Templeton a esse trabalho é que, ao identificar a origem do homem moderno na África, os autores assumiram que esse resultado justificava a hipótese de substituição. Assim, excluíram outras possibilidades ? como a do surgimento simultâneo doHomo sapiens também na Ásia, conhecido como modelo multirregional ? sem seguir os preceitos mais básicos do método científico e realizar testes estatísticos que permitissem eliminar as hipóteses alternativas. Segundo Templeton, agindo desse modo Rebecca, Stoneking e Wilson apenas demonstraram que a teoria out-of-Africa era compatível com os dados, mas não comprovaram que os outros modelos não eram.
Incomodado com essa escolha arbitrária, Templeton, que havia desenvolvido uma forma de análise genética que reúne grupos por proximidade genética e geográfica, imaginou uma forma de tentar eliminar os modelos que não fossem compatíveis com os dados genéticos. O raciocínio é simples: se após deixar a África entre 100 mil e 50 mil anos atrás o Homo sapiens tivesse eliminado as outras espécies sem deixar descendentes com elas, o material genético dos seres humanos atuais teria origem exclusivamente africana. ?Se isso fosse verdade, a contribuição genética de populações humanas de outros continentes teria sido eliminada?, explica o biólogo Reinado Alves de Brito, da Universidade Federal de São Carlos, ex-aluno de doutorado de Templeton.
Não foi o que se encontrou. Analisando 25 trechos do material genético de populações atuais de diferentes partes do mundo, Templeton constatou que alguns desses trechos apresentavam contribuição de ancestrais que viveram na Ásia em um período anterior a 130 mil anos atrás, antes de o Homo sapiens deixar a África pela primeira vez, como descreve em uma série de artigos publicados nos últimos anos na Evolution. O que teria então se passado?
Para Templeton, os dados mostram que a colonização dos outros continentes começou muito antes, cerca de 1,9 milhão de anos atrás com um ancestral da nossa espécie ? oHomo erectus, que o biólogo norte-americano Jared Diamond classificou como sendo mais que um macaco, mas menos que um humano ? deixando a África rumo à Ásia. A essa primeira saída teriam se seguido duas outras: uma há 650 mil anos e a mais recente há 130 mil anos. Cada vez que esses ancestrais humanos com características um pouco menos arcaicas deixavam a África e topavam com um grupo que havia saído antes, eles cruzavam e deixavam descentes. ?Quando se encontravam, eles faziam amor e não guerra?, diz Templeton, para quem o gênero Homo é uma linhagem contínua que se diferenciou aos poucos.
Muitos não concordam. ?Do ponto de vista teórico, é possível que esse cruzamento tenha de fato ocorrido. Mas, avaliando a distribuição dos fósseis e dos registros arqueológicos, não parece tão verossímil?, comenta o paleoantropólogo Danilo Bernardo, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP).
Um dos pesquisadores que discordam frontalmente de Templeton é o biólogo suíço Laurent Excoffier, da Universidade de Berna, autor de um programa de computador de análise de genética de populações usado no mundo todo. Em Porto Alegre, Excoffier apresentou os resultados de seu trabalho mais recente, feito em parceria com Nelson Fagundes e Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e publicado em outubro nos Proceedings of the National Academy of Sciences. Nesse estudo, feito em colaboração com o geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, eles seqüenciaram 50 trechos do material genético extraído de 30 indivíduos da África, da Ásia e da América do Sul.
Usando um método que eles próprios desenvolveram, calcularam como cada um desses trechos se modificou ao longo de milhares de anos e tentaram ver qual entre oito modelos de evolução humana explicaria melhor as diferenças genéticas entre as populações atuais. Concluíram que o mais provável era justamente o modelo out-of-Africa, rejeitado por Templeton. De acordo com os cálculos do grupo, o Homo sapiens teria surgido há 140 mil anos e um grupo de 600 indivíduos teria deixado a África há 50 mil anos. ?Esses resultados estão de acordo com o que a maior parte dos pesquisadores acredita ter ocorrido?, diz Bonatto.
Como explicar resultados tão discrepantes? Na opinião do pesquisador gaúcho, Templeton teria partido de um pressuposto errado. Mesmo que o Homo sapiens tenha eliminado completamente as outras espécies de hominídeos que encontrou sem deixar descendentes em comum, uma parte do seu material genético deve ser muito antiga, herdada da espécie ancestral africana. Já Templeton critica a amostra de apenas 25 pessoas analisada por Excoffier e o grupo gaúcho. Ao menos em um ponto Templeton e Excoffier concordam. Com mais informação genética de mais pessoas ao redor do globo, como a que vem sendo coletada no projeto Genográfico humano, seus resultados devem se tornar mais precisos e, talvez, revelar quem está certo.

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